Eu creio que os gays são punidos por que supostamente ESCOLHEM (sic) se colocar em papeis e comportamentos que a sociedade elencou como femininos – logo, inferiores: é romper com o mito da masculinidade que diz que o homem deve fugir como o diabo da cruz de tudo que seja feminino.
Mulher mesmo é só para usar, e não fique muito tempo com elas para não “pegar” essa tal feminilidade [vemos bastante isso acontecer na educação de filhos homens] – a masculinidade está 24 horas por dia sendo vigiada, ela não pode ultrapassar um milímetro que seja para o campo considerado feminino, para que esse homem não perca seu status de homem dentro da sociedade.
Veja todas as “brincadeiras” homofóbicas que os homens fazem quando estão em grupo com os demais homens: se respirou assim: é “viado”; se cruzou as pernas: é “bicha”; se deu uma entonação daquele jeito pra voz: é “baitola”; se gosta de tal time de futebol: é “bambi”; se encostou em outro homem: é gay; e seguem as excrescências, que inclusive partem de um pressuposto que o homem gay não seria homem.
Quantas vezes não ouvimos as perguntas/afirmações: “Mas ele é homem ou é gay?”, “Ele é homem né [não é gay não]?”, “Meu filho não é gay, ele é homem!” E as lésbicas são punidas à medida que supostamente ESCOLHEM (sic) abandonar o papel de mulher clássico e enveredar por caminhos dito masculinos: onde já se viu uma mulher QUERER (sic) ser um homem? Será punida duplamente: por ser mulher e por querer ousar interpretar o papel que só deve pertencer ao homem, ousar se comportar como só a um homem é permitido e só ele pode deter esse “privilégio”.
Quantas vezes não ouvimos ser dito para mulheres lésbicas: “Não quer ser homem? Aguente!”, inclusive já soube de lésbicas que apanhavam de homens enquanto lhes diziam: “Não quer ser homem? Vai apanhar como homem!”.
Em ambos o caso, a gênese do ódio é a misoginia, o desprezo pelas mulheres, consideradas inferiores na sociedade machista e patriarcal. Na nossa cultura cristã se diz que Deus criou a mulher e essa levou Adão a pecar – veja, todos sofremos por conta da atitude de uma mulher, traidora por excelência. Também lembrando que essa mesma mitologia atesta que a mulher é subproduto do homem (saiu da costela de Adão).
Adão, coitado, o pobre homem bom e puro, que foi levado à maldição por… uma mulher.
Aí como castigo, inclusive o homem sofreria por ter de trabalhar e a mulher sofreria com dores de parto, além do castigo à mortalidade – função do homem é trabalhar, da mulher é ter filhos.
Afinal de contas, mulher não trabalha né? Não deve.
E percebemos que o trabalho que a sociedade elenca como feminino vai sendo desvalorizado ao longo dos séculos: o serviço doméstico além de subvalorizado, não é contado como trabalho por grande parte dos homens. E assim, profissões/cargos que se dizem tipicamente femininos, são as que pagam os mais baixos salários.
A mulher é vista como alguém naturalmente errada, inclusive pelas religiões que em grande parte são misóginas.
Quando digo que o homem gay estaria entrando no terreno considerado feminino, por essa sociedade fortemente pautada em papeis de gênero: em que define-se e obriga-se papeis e comportamentos que só à mulher seriam permitidos e outros só aos homens, o feminino não significa necessariamente ser “afeminado”, mas o simples fato de um homem dizer que sente atração por outro homem, já invoca para a sociedade (heteronormativa) que ele quer se colocar no papel feminino – e praticar esse atentado violento à honradez masculina que se exige na posição hierárquica superior.
Ademais, para a grande massa, gay não come, gay só dá.
Veja que socialmente, assim que alguém é apontado como gay, por mais masculino que seja [e portanto, teoricamente preencheria muito bem o que a sociedade define como enquadrado dentro do que é homem], as pessoas começam com as perguntas de sempre e a fazer piadinhas homofóbicas: “e pra quem ele tá dando?”, “quem tá comendo ele?”, “acho que é fulano que tá comendo ele”, “esse gosta de dar marcha ré no quibe”, “esse gosta de dar o furico”, “esse queima rosca”.
Aliás, tomam o homem gay como alguém que está constantemente querendo dar, logo, seria um perigo para os demais homens que sentem-se ameaçados na plenipotência de suas masculinidades, que não permite em hipótese alguma qualquer mimetização com o que supostamente seja feminino.
Eu sempre perguntava para essas pessoas que de antemão tomam que o homem gay só gosta de dar: se os gays só dão, quem come os gays? Pois bem, há inclusive um sem número de pessoas que acha que alguém só é de fato gay se for passivo sexualmente, se o cara só for ativo, então ele não é gay, pois ser gay é ser mulher e mulheres não comem, mulheres só dão: lógica misógina e machista, fortemente pautada na construção de gêneros inteligíveis.
No caso das mulheres lésbicas, o mesmo – se forem mais masculinizadas, serão repudiadas com todo o fervor por que está ainda mais visível que querem tomar o papel e o lugar do homem, um verdadeiro acinte para essa masculinidade controlada e ditada de forma falocêntrica: ser homem para essas pessoas, é ter pênis; não tem pênis, não é homem, e se tentar sê-lo, sofrerá coação – e tomam sempre que a mulher lésbica quer ser homem, quer ocupar o lugar do homem, daí o “estupro corretivo” que muitas sofrem para “se tornarem mulheres”.
E se a mulher lésbica for considerada feminina, aí cai como a mão e a luva dentro da fantasia mais recorrente entre os homens, que é ter duas mulheres na cama.
Imaginam sempre que lésbicas femininas não existem, o que existe são duas mulheres esquentando lugar para um homem chegar – pois claro que prazer mesmo elas só podem ter é com um homem, e quando juntas, estão juntas para deleite de um homem – e não qualquer homem, esse homem precisa ter um pênis, pois inclusive reduzem o ser homem a ter pênis: “lésbica não existe, o que existe é falta de pau” [no caso, o pau do sujeito que emite a frase].
Veja que é muito comum casal de lésbicas ser abordado por homens que se acham no direito de intrometer-se no meio das duas e ali se instalar.
Para eles, mulher que diz que não gosta de homem, é por que não achou um homem que “não a comeu de jeito”: pois tomam que o pênis resolveria todos os problemas de todas as mulheres.
Mulher que reclama, reclama por que é “mal comida”, seja por qual motivo for – e as feministas, que por natureza estão reclamando direitos das mulheres, são tomadas como naturalmente movidas pela falta de um pênis.
Afinal, pênis resolve tudo né?!
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